Nua


       Hoje foi o primeiro dia que não nos vimos desde que cheguei, confesso que foi estranho, já estava até me acostumando a sentir o cheiro dele ao final do dia. Acho até que se eu fechar os olhos consigo senti-lo. É curioso isso, as sensações que ele me causa...
       Tem vezes que eu chego a estranhar essa liberdade, sim, a liberdade que ele me faz sentir. Por vezes a gente deita do lado de alguém e quando acorda vai logo pro banheiro, tentando arrumar a “melhor versão de si”, para que o outro não nos veja com o cabelo bagunçado, o hálito de quem bebeu um drink, transou, e não escovou os dentes, se bobear passamos até um blush pra parecer mais saudáveis às 7h da manhã... eu sei, essa vaidade ainda vai nos matar! Horas incansáveis no banheiro para achar a roupa perfeita para um encontro, a boa postura na hora de jantar, o cuidado com o que vai falar para não dizer uma abobrinha e ficar com cara de tacho na frente dos amigos, e por aí vai o manual de etiqueta dos primeiros encontros. Até...
       Até que você conhece alguém que te chama atenção dizendo que sua pizza está muito salgada, que o único jeito de comer aquilo é tomando uma cerveja, que não sabe nem o dia do seu aniversário mas quando você diz “vamos tomar um banho de mar” às 8:30 é o primeiro a dizer “VAMOS”, que te ensina a jogar snooker depois de tirar você pra dançar às 10h da manhã de um sábado, e que em menos de 24 horas, menos de 24 horas, te despe de qualquer máscara de etiqueta, que diz que você é linda mesmo com a cara cheia de manchas, sal e areia da praia, que te deixa nua de qualquer vocabulário formal, que tem a imensa coragem de chorar na sua frente contando sobre suas maiores feridas, e que te lembra que a maior liberdade é ser você mesmo, de cara limpa, sem qualquer manual de primeiros encontros para consulta. 

Ele tem o dom de me vestir de mim mesma todos os dias.

Ingrid Soares,19.08.2019